quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Capítulo 1


PARTE 2

- Contra-mestre! Precisamos do mestre-calafate!
- Hum... – fez o outro.
- Há um buraco no casco, na coberta inferior.
Em contraste com a urgência dos dois marinheiros, o contramestre parecia não se interessar pela informação.
- Ouvi alguém falar do mestre-calafate. Dizem que ele estava no bote destroçado pelas ondas. Pode ter sido assim que ele morreu... ou pode ter sido de outra forma...
- Por favor, senhor, o navio está fazendo água... sabe se algum ajudante dele sobreviveu?
- Não, não sei. Vocês podem perguntar por aí, mas até terem feito isso, o navio já estará no fundo e todos nós no inferno.
O contramestre riu, sarcástico.
- Mas talvez os dois garotos queiram salvar suas almas das garras do diabo. Arranquem uma parte do velame e arranjem um pouco de madeira pequena. Creio que terão de consertar isso vocês mesmo...
- Mas... isso é serviço para profissionais.... – objetou Pedro.
- Agora vocês são os profissionais. Se é tão importante assim, terão que aprender a fazê-los vocês mesmo...
Pedro abanou a cabeça, mas Jean Pierre o puxou.
- Vamos, temos que tentar!
Percorreram o convés. Havia muito velame e pedaços de madeira espalhados pelo chão, restos do choque com o animal estranho na noite anterior.
Pegaram o que precisavam e desceram para a primeira coberta. A água já dominava o compartimento e provavelmente já estragara boa parte da comida.
Num ímpeto, Jean Pierre avançou com a lona do velame, tentando cobrir o buraco, mas a vazão da água era muito forte, e ele não resistiu.
- Não dá! Não vamos conseguir!
- Talvez seja possível se calçarmos a lona com madeira e batermos nela... – sugeriu Pedro.
Fizeram isso. Envolveram um pedaço comprido de madeira com lona e prepararam um pedaço maior e mais pesado para servir de martelo. O resultado foi colocado sobre a vazão da água.
- Temos que ser rápidos. Quando eu falar!
A um sinal, os dois empurraram a madeira e Pedro martelou-a contra o buraco. A pressão era forte, mas aos poucos foi cedendo aos esforços. Em pouco tempo o buraco estava tampado.
- Isso não ficou bom, mas serve. – disse Jean Pierre, e sentou-se no chão molhado, exausto com o esforço.
Pedro sentou-se ao seu lado. Não tinham tido tempo para pensar na sua situação e ali, sentados, puderam finalmente refletir.
- Manuel disse que estamos perdidos! – disse Jean-Pierre.
- Você talvez esteja perdido. – atalhou Pedro. Eu estou com fome. Vou pegar um pouco de queijo e vinho.
Jean-Pierre segurou seu braço:
- A comida não vai durar para sempre...
- Então é melhor aproveitar enquanto ainda existe comida...
Disse isso e levantou-se. Foi até a despensa e retirou de lá uma garrafa de vinho. Vinho bom, dos oficiais, não a lavagem que bebiam normalmente. Depois pegou um queijo, aquele que lhe pareceu melhor e subiu. Jean-Pierre foi com ele, mas não subiu ao convés. Foi pelo corredor na direção dos camarotes da proa.
Como imaginou, a porta estava aberta.
A mulher de branco estava sentada em uma cadeira, olhando pela janela. Seus longos cabelos negros deslizavam por seus ombros. As mãos estavam pousadas sobre o colo.
- Trouxe vinho e queijo para você. – disse Jean Pierre.
Deu alguns passos e colocou a garrafa e o queijo sobre uma mesinha, ao lado da cadeira.
- Vai precisar de uma faca? Um copo talvez? Que idiota eu sou... não trouxe um copo!
A mulher não respondeu. Somente olhou para ele com olhos perdidos. Eram olhos azuis, tão profundos e perigosos quanto o mar.
- Je parle Française? – indagou Jean Pierre, mas a mulher não respondeu novamente. Apenas continuou olhando com seu olhar perdido.

3 comentários:

Rob Farias disse...

gostei da continuação

so achei curta comparado a primeira parte.

aguado ancioso a parte 3

Mixéu disse...

Uma coisa que achei estranha: depois da tempestade, todos foram descansar mas... o rombo no navio já havio sido feito. Quando Jean Pierre e Pedro chegaram na despensa, eles não notaram de imediato a rachadura, demoraram um pouco. Mas, depois de buscar a madeira para o conserto, verificaram que a vazão da água era muito forte e que já havia inundado uma parte da despensa.

Pergunto: como uma vazão de água tão forte, que inundou a despensa em pouco tempo (apenas o necessário para a busca da madeira) não inundou o navio inteiro depois que todos foram dormir?

Essa idéia ficou meio confusa pra mim. Mesmo que a despensa ficasse na parte bem inferior do navio, a água já teria tomado conta dela, e não teria sido passada despercebida.

Gian Danton/Ivan Carlo disse...

Olá Mixéu!
Obrigado pelos comentários. Quanto ao vasamento... pela minha pesquisa, esses vasamentos eram comuns nos navios, tanto que existia uma pessoa só para cuidar deles, o mestre calafeiteiro. Não encontrei nenhum registro de um navio que tenha afundado por causa desses buracos, embora, evidentemente um vasamento durante muito tempo provavelmente provocaria problemas. Na narrativa não fica claro quando aconteceu o rombo. Pode ter sido em qualquer momento da noite ou da madrugada. É possível, por exemplo, que uma parte do casco tenha ficado frágil durante a tempestade, mas só começado a vasar depois. Quando falo que o vasamento era muito forte, quis dizer que eles precisavam de algo para empurra o pano e a madeira, não conseguriam fazer isso com as mãos, sendo necessário algo para martelar a madeira. Algo como vasamento de uma torneira...