sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Capítulo 2




PARTE 2
Aos poucos, passageiros e tripulantes foram subindo ao convés. Havia uma variada miríade de pessoas diferentes, com objetivos e desejos diferentes.
Além dos marujos Pedro e Jean-Pierre, havia outros, como Vital e Manuel. Vital era um marujo na casa dos trinta anos. Alegre, tentava levantar o moral dos colegas contando histórias sobre sua vida no Brasil, muitas das quais provavelmente eram inventadas. Manuel era um desastrado marinheiro, que fora padeiro antes de aventurar no mar e que revelara um gosto especial pela bebida, provavelmente por conta de um amor não realizado.
Rodrigo era o enérgico contramestre, que ficara misteriosamente cego.
Havia a viúva Luisa, uma mulher madura, de cabelos negros e olhar firme, capaz de qualquer coisa para conseguir seus objetivos. Outra mulher era Helena, a jovem mulher de branco, que passava a maior parte do tempo em sua cabine, recolhida e tímida.
Samuel era um judeu em viagem para o Brasil, provavelmente fugindo da perseguição aos judeus em Portugal.
Havia os padres, Milton, o mais velho, um inquisidor em visita ao Brasil para instalar ali um tribunal e seu ajudante, o jovem Agostinho.
Miguel e Francisco odiaram-se imediatamente.
Miguel tinha pouco mais de quarenta anos. Era um fazendeiro, dono de imensas plantações de cana no nordeste. Seu único assunto parecia ser seu engenho e sempre que ele pegava alguém desprevenido, podia passar horas falando do engenho como se fosse a única coisa no mundo.
Francisco vira nele tudo do qual ele conseguira escapar. Negro, ele chegara a ser escravo e, por sorte, conseguira fugir desse terrível destino.
- Estamos ali a civilizar os pobres índios e infelizes negros. São pobres coitados, que vivem em estado de miséria, como animais. Estamos fazendo um favor a esses pobres... – dizia ele para o Inquisidor, que balançava a cabeça afirmativamente.
- Estão é matando os negros! – gritou Francisco.
- Do que está falando, negro? – estranhou Miguel.
- Eu fui escravo no Brasil e sei muito bem o que fazem de verdade. É necessário sempre levar mais escravos porque os que estão lá morrem logo. Muito trabalho, pouca comida, muito chicote...
- Um chicote é tudo que eu queria ter agora, negro! Ia lhe dar uma boa lição!
Francisco fez uma careta e mostrou os dentes, como uma fera que tenta amedrontar seu oponente.
Provavelmente cairiam um sobre o outro, não fosse a intervenção de Agostinho.
- Não é hora de brigarmos entre nós. Não entendem? Estamos perdidos no meio do mar...
Miguel afastou-se, resmungando.
Com muita dificuldade, fizeram uma reunião no convés. Jean-Pierre e Pedro explicaram o estado em que estavam as provisões.
- Temos comida e água, é o que importa. – disse Miguel. Espero que nos sirvam nosso almoço.
- Acho que o branquelo não entendeu... – resmungou Francisco.
- Senhor, estamos à deriva. – disse Jean-Pierre. A viagem para o Brasil dura semanas. Já fizemos essa viagem antes e já aconteceu de não encontrarmos uma única nave no meio do caminho. Podemos passar meses no meio do mar... temos que economizar água e comida.
- E agora ninguém é escravo de ninguém. – atalhou Francisco.
Houve um principio de tumulto, logo abafado. Ao final, decidiram que Pedro e Jean-Pierre ficariam responsáveis pela comida e fariam o controle para que não faltasse.
Mas surgiu um outro problema. Onde estavam? Para onde estavam indo? Só o contramestre poderia ajudá-los.
Sentado no seu rolo de cordas, o contramestre fez uma careta, como se pudesse ver e perguntou:
- Onde nasce o sol?
- O sol nasce às suas costas. – respondeu Pedro.
- A proa fica à minha esquerda, certo?
- Sim, senhor.
- Então vamos na direção ao sul. É a pior rota. Na cabine de comando tem um leme e um cronômetro. Vão lá e voltem para me dizer.
Agostinho, que já se afeiçoara aos dois marinheiros, foi ajudá-los. A cabine estava semi-destruída. O cronômetro jazia em pedaços no chão. Pedro pegou no timão e girou-o. Não aconteceu nada. A corda estava solta.
Os três correram até o contramestre.
- Isso não é nada bom. Não mesmo. Sem o cronômetro não temos como saber a latitude. Na verdade, eu não sei nem mesmo se vocês poderiam calcular a longitude. Perdidos, perdidos... e o pior... o leme... a corda deve ter arrebentado e talvez não tenhamos nem leme... mas há uma chance. Normalmente é colocada uma corda para segurar o leme, caso ele se desprenda. Se alguém pular na água, pode tentar colocar o leme de volta no lugar...
Jean-Pierre estremeceu:
- Mas também pode morrer, ou se perder do navio...
O contramestre riu.
- Sim, isso é o mais certo. Desçam antes a Santa Bárbara e vejam se o timão desliza sobre o quadrante do leme. Se tiverem sorte, é aí o problema e arriscam-se menos.

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